Como a arte transforma sua fotografia e sua forma de ver o mundo

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“Voltar às coisas em si mesmas é voltar àquele mundo que precede o conhecimento, do qual o conhecimento sempre fala.” — Maurice Merleau-Ponty

Essa frase do filósofo Merleau-Ponty resume o cerne da fenomenologia: não começamos pelo conceito, mas pela experiência sensível. Tudo o que conhecemos parte do que vemos, sentimos e vivemos.

A arte nasce do mundo — e também o revela de volta, com outras cores, sons, ritmos e formas. Ela não está fora da realidade, mas mergulha nela para nos devolver outra percepção: mais afiada, mais pessoal e, paradoxalmente, mais coletiva.

E a fotografia? Ela é uma forma direta de se relacionar com o mundo: luz, corpos, gestos, espaços, emoções. Quando entendemos a arte como parte da vida, desenvolvemos um olhar mais profundo, sensível e autêntico.

Neste artigo, exploramos como a arte — e a fotografia — são formas de habitar o mundo com presença.

O QUE VOCÊ VAI APRENDER NESTE ARTIGO:

A percepção vem antes do conhecimento

Antes de entender o que é uma árvore, você a viu — talvez tocou, talvez se abrigou sob sua sombra. Esse primeiro contato é sensorial, afetivo. Só depois damos nome às coisas. Essa é a ideia central da fenomenologia da percepção.

A arte e a fotografia nascem desse encontro direto com o real: corpos, cores, texturas, gestos. Por isso, o primeiro passo para desenvolver um olhar artístico mais potente é desacelerar e perceber antes de interpretar.

Fotografar, nesse sentido, é um ato de presença. Antes de clicar, é preciso ver de verdade. Não o que achamos que está ali — mas o que realmente está.

📌 Dica prática: Antes de iniciar uma sessão, pare por um momento. Respire. Observe o cenário sem câmeras. Quais cores predominam? Qual a temperatura da luz? O que há de único na cena? Depois, fotografe a partir dessa experiência sensível.

A arte nos devolve o mundo transformado

Quando um artista pinta uma flor, ele não reproduz o objeto: ele mostra como sente e compreende aquela flor. A arte nos devolve o mundo — não como ele é, mas como ele nos afeta.

Esse é o papel da fotografia autoral: mostrar o mundo filtrado pelo seu olhar. Um pôr do sol pode parecer banal, mas pela lente de quem viu algo único ali — um gesto, uma lembrança, um contraste — torna-se arte.

O artista não escapa do mundo: ele mergulha nele. Sofre, encanta-se, transforma a experiência em imagem.

📌 Exercício de percepção fotográfica: Escolha um tema cotidiano (uma janela, uma rua, uma xícara). Fotografe esse tema de formas diferentes por uma semana. O desafio é descobrir novas maneiras de enxergar o que você já conhece.

A arte está no mundo — e não à parte dele

É comum ouvirmos frases como “isso aqui é só a realidade, não é arte”. Mas arte não nasce do extraordinário: ela nasce da atenção. Uma cadeira comum, nas mãos de Van Gogh, virou símbolo de solidão. Um rosto comum, pelas lentes de Diane Arbus, virou manifesto sobre a alteridade.

📷 A fotografia tem esse poder: tirar do cotidiano aquilo que ninguém via como digno de atenção — e revelar ali um universo.

Merleau-Ponty defende que a arte está no mundo porque é sobre o mundo. O que vemos nas fotos? Corpos, ruas, olhos, gestos, festas, flores, sombras — tudo aquilo que nos cerca.

Para ser fotógrafo, é preciso habitar o mundo com abertura. A técnica vem depois. O primeiro passo é estar ali, inteiro. Enxergar sem pressa, fotografar com afeto.

📌 Prática artística sugerida: Assista a um filme ou leia um trecho de livro e tente transformá-lo em uma fotografia. Não precisa ser literal. O desafio é: como traduzir a sensação daquela cena em uma imagem sua?

O mundo como origem dos nossos relacionamentos — e da estética

Tudo o que conhecemos — social, política e emocionalmente — passa pelo corpo, pelo olhar, pela vivência no mundo. Nossos relacionamentos são moldados por como vemos e reagimos ao que vemos.

A arte nos treina a olhar com mais nuance, mais escuta, mais pausa. Ela nos convida a não automatizar o olhar.

A estética, então, não é luxo. É uma forma de existir. De notar beleza em tempos difíceis, de capturar silêncio em meio ao ruído, de construir imagens que acolhem, provocam ou recordam.

📷 A fotografia, como linguagem estética, é ferramenta potente para refletir sobre o mundo — e se relacionar com ele. Fotografar um casamento, por exemplo, não é apenas registrar: é participar, dar forma ao afeto, guardar o tempo, contar histórias visuais.

Conclusão: Ver com atenção é já criar

A arte não acontece em outro mundo. Ela brota da vida, da matéria, da luz, do corpo. Ao nos colocarmos como artistas — fotógrafos, pintores, escritores — estamos, na verdade, aprendendo a viver com mais profundidade.

“Voltar às coisas em si mesmas” é um convite à presença. É lembrar que o conhecimento começa no corpo, na pele, no olho. Que a câmera não é um escudo, mas uma extensão da nossa percepção.

Quanto mais abertos estamos ao mundo, mais significativas se tornam nossas imagens. Fotografar bem não é sobre perfeição técnica — é sobre clareza na percepção e sensibilidade na resposta.

Se você deseja crescer como artista, volte-se ao mundo. Observe. Toque. Escute. E então, com presença, clique.

FAQ: Perguntas Frequentes

1. O que é fenomenologia da percepção? É uma corrente filosófica que valoriza a experiência direta do mundo antes da racionalização. Merleau-Ponty é um de seus principais nomes.

2. Como aplicar isso na fotografia? Através da atenção sensível, da escuta do ambiente e da conexão emocional com o que se fotografa.

3. Preciso estudar filosofia para fotografar melhor? Não, mas conhecer ideias como essa pode expandir seu olhar e seu repertório artístico.

4. Esse tipo de fotografia tem mercado? Sim. Imagens com autenticidade e profundidade emocional têm muito valor — especialmente em ensaios autorais, casamentos e projetos artísticos.

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