A fotografia de guerra é um dos gêneros mais intensos e emocionalmente poderosos da história da imagem. Ela tem o potencial de impactar profundamente a forma como entendemos os conflitos armados, moldando opiniões públicas, revelando verdades ocultas e provocando debates éticos sobre dor, responsabilidade e empatia. Desde os primeiros registros na Guerra Civil Americana até as imagens instantâneas da guerra na Ucrânia, a fotografia de guerra evoluiu — mas sua essência permanece: dar rosto ao sofrimento, à coragem e à complexidade da guerra.
O QUE VOCÊ VAI APRENDER NESTE ARTIGO:
- Os Primeiros Registros: A Guerra Civil Americana
- Alexander Gardner e o “Sketch Book”: o olhar do campo de batalha
- Mathew Brady e o Poder de uma Imagem: Quando a Fotografia Enfrenta a Guerra
- Robert Capa: O Maior Fotógrafo de Guerra do Século XX
- Fotografia e Propaganda: A Era das Grandes Guerras
- A Guerra do Vietnã: A Imagem Contra o Conflito
- A Era Digital: Imediatismo, Cidadania e Desconfiança
- Imagens e Memória: O Valor Humano da Fotografia de Guerra
- Considerações Éticas: Verdade, Representação e Responsabilidade
- Perguntas Frequentes (FAQ)
- Conclusão

Os Primeiros Registros: A Guerra Civil Americana
A Guerra Civil dos Estados Unidos (1861–1865) é amplamente considerada o ponto de partida da fotografia de guerra como conhecemos hoje. Fotógrafos como Mathew Brady e Alexander Gardner capturaram imagens dos soldados, dos campos de batalha e das consequências dos combates.
Naquela época, o equipamento era pesado e os tempos de exposição longos, o que impossibilitava registrar a ação em tempo real. Mesmo assim, essas fotos tiveram um impacto imenso, aproximando o público da realidade crua da guerra. Muitos soldados eram fotografados antes de irem para o front — as imagens funcionavam como lembranças para as famílias. O simbolismo desses retratos ajudava a construir a ideia dos combatentes como heróis, mesmo diante da tragédia.
Alexander Gardner e o “Sketch Book”: o olhar do campo de batalha
Alexander Gardner foi uma figura central na consolidação da fotografia de guerra como forma de documentação histórica e expressão visual. Especialista no recém-desenvolvido processo de colódio úmido sobre chapas de vidro, Gardner foi gerente do estúdio de retratos de Mathew Brady em Washington, D.C., entre 1858 e 1862 — período em que desenvolveu um olhar técnico refinado e um senso aguçado de narrativa visual.
Após uma desavença com Brady, Gardner fundou seu próprio estúdio e levou consigo alguns dos melhores fotógrafos do antigo empregador, como Egbert Guy Fowx. Essa mudança resultou em uma das maiores iniciativas documentais da Guerra Civil Americana: a produção massiva de fotografias de campo, que culminaria na publicação do histórico “Gardner’s Photographic Sketch Book of the War”, em 1866.
Essa obra é um marco não apenas pela qualidade técnica, mas por seu valor humano e documental. Nela, Gardner e sua equipe reuniram dezenas de imagens impactantes do conflito, muitas das quais permanecem até hoje sem identificação clara — como o retrato de quatro oficiais de campanha citado na descrição, onde dois usam os populares “forage caps” com aba de couro inclinada (influência do general Irvin McDowell), enquanto os demais vestem chapéus flexíveis regulamentares do exército da União.
A ausência de nomes ou contextos detalhados em muitas imagens reforça a complexidade da documentação visual da guerra. Essas fotos são registros silenciosos de rostos que atravessaram batalhas, dor e decisões históricas, mas cujas identidades, muitas vezes, se perderam no tempo.
A obra de Gardner é, até hoje, referência para estudiosos, fotógrafos e historiadores, não apenas pela sua estética, mas pela forma como deu dignidade visual a uma geração marcada pelo conflito.

Fotografia de Alexander Gardner (1821–1882)
Impressão em prata de albumina a partir de negativo em vidro, 17,8 x 22,8 cm
Coleção Gilman, aquisição com doação da Sam Salz Foundation, 2005. Nº 2005.100.563
Mathew Brady e o Poder de uma Imagem: Quando a Fotografia Enfrenta a Guerra
Em 1938, Virginia Woolf escreveu, no ensaio Three Guineas, uma pergunta que ecoa até hoje: “Será que, ao olharmos para as mesmas fotografias, sentimos as mesmas coisas?” Para ela, as imagens da Guerra Civil Espanhola poderiam despertar empatia suficiente para impedir que novos horrores se espalhassem pelo mundo. Décadas depois, Susan Sontag retomaria essa reflexão em Diante da Dor dos Outros, destacando a fotografia como uma linguagem capaz de “vivificar a condenação da guerra” e trazer, ainda que por um instante, “um fragmento de sua realidade para aqueles que jamais a vivenciaram”.
Muito antes dessas escritoras, um homem já intuía — ainda que por motivações diferentes — esse poder transformador da imagem: Mathew Brady, considerado o pai do fotojornalismo. Quando a Guerra Civil Americana eclodiu, Brady era um fotógrafo renomado, com retratos de personalidades como Abraham Lincoln e Edgar Allan Poe em seu portfólio. Seu impulso inicial, porém, não era político ou ético: ele oferecia seus serviços para registrar soldados antes de partirem para o front, com o slogan cínico “Você não pode saber o quão breve pode ser tarde demais.”
Brady poderia ter permanecido em Nova York, gerenciando seu estúdio próspero. Mas, como ele próprio recordaria, “um espírito em meus pés disse ‘Vá’, e eu fui.” Financiando do próprio bolso, reuniu uma equipe de fotógrafos — incluindo Alexander Gardner e James F. Gibson — e obteve permissão de Abraham Lincoln para documentar a guerra no campo de batalha. Assim nascia a figura do fotógrafo de guerra como a conhecemos hoje.
Em 1862, Brady causou um choque nacional ao exibir, em sua galeria em Nova York, as imagens da Batalha de Antietam sob o título The Dead of Antietam. Eram as primeiras fotos amplamente divulgadas que mostravam corpos ainda no campo de batalha, sem idealizações, sem retoques, sem filtros. O The New York Times escreveu: “Brady fez algo para nos trazer a terrível realidade da guerra. Se ele não trouxe os corpos até nossas portas, fez algo muito parecido com isso.”
O impacto foi avassalador — mas não o bastante para deter a guerra, que ainda duraria mais três anos. Brady e seus fotógrafos registraram muito mais que cadáveres: balões de observação, acampamentos improvisados, pontes flutuantes, hospitais de campanha, comboios de suprimento — um retrato visceral e abrangente da guerra como ela era. No entanto, o custo foi alto. Ele produziu mais de 10 mil negativos em vidro e, sem apoio financeiro imediato do governo, faliu antes de receber US$ 25.000 pelas imagens.
O legado de Brady vai além do seu pioneirismo técnico. Suas imagens — algumas hoje distorcidas e manchadas pelo tempo — nos ensinam que nem mesmo a fotografia, com sua promessa de eternidade, está isenta da degradação. Seus daguerreótipos, frágeis e deteriorados, lembram que até a memória precisa ser cuidada. E, ainda assim, seu trabalho permanece como um dos testemunhos mais impactantes da história visual dos conflitos.
Ao capturar o que antes era invisível — a morte, a destruição, o cotidiano do sofrimento — Mathew Brady transformou a fotografia em algo mais do que um espelho: fez dela um espinho. Um incômodo necessário. Uma lembrança insistente de que a guerra, por trás de cada bandeira, deixa marcas humanas profundas demais para serem ignoradas.
Robert Capa: O Maior Fotógrafo de Guerra do Século XX
Robert Capa, nascido Endre Ernő Friedmann em 1913, em Budapeste, Hungria, foi um dos fotógrafos de guerra mais influentes e corajosos da história. Sua trajetória está marcada pela coragem, compromisso e uma profunda empatia com as pessoas afetadas pelos conflitos que documentava.
Desde cedo, Capa se envolveu com o ativismo político, o que o levou ao exílio ainda jovem. Depois de passar por Berlim, Viena e Paris, adotou o nome profissional “Robert Capa” para construir uma identidade que soasse americana, já que ele e sua parceira Gerda Taro queriam ampliar o impacto de seu trabalho. O apelido “Capa” vem da palavra húngara para “tubarão”, refletindo seu espírito aguçado e destemido.
Sua fama internacional se consolidou durante a Guerra Civil Espanhola (1936–1939), quando ele e Gerda Taro capturaram imagens que se tornariam símbolos da brutalidade e da resistência. A foto mais emblemática desse período é “Morte de um Miliciano” — uma imagem poderosa e controversa, que sintetiza o drama humano e a violência da guerra, embora sua autenticidade ainda seja debatida por historiadores.
Robert Capa cobriu também a Segunda Guerra Sino-Japonesa, a Segunda Guerra Mundial na Europa — incluindo momentos históricos como o Desembarque na Normandia em 1944 e a libertação de Paris — além de conflitos no Norte da África, na Guerra Árabe-Israelense de 1948 e na Primeira Guerra da Indochina.
Fiel à sua filosofia, Capa acreditava que “se suas fotos não estão boas o suficiente, é porque você não está perto o suficiente”. Essa coragem o levou a estar na linha de frente das batalhas, arriscando a própria vida para captar imagens reais e impactantes.
Em 1947, junto com David Seymour, Henri Cartier-Bresson e George Rodger, fundou a Agência Magnum, uma das mais importantes agências de fotografia documental do mundo, que revolucionou o fotojornalismo ao defender maior autonomia e direitos para os fotógrafos.
Tragicamente, Robert Capa morreu em 1954 na Indochina, vítima de uma mina terrestre, com sua câmera ainda firme em suas mãos — símbolo da dedicação e do compromisso de um fotógrafo que viveu para contar as histórias invisíveis da guerra.

Fotografia e Propaganda: A Era das Grandes Guerras
Durante a Primeira e a Segunda Guerra Mundial, a fotografia ganhou protagonismo como ferramenta de informação — e também de manipulação. A invenção da câmera portátil de 35mm possibilitou que fotojornalistas se aproximassem dos combates como nunca antes.
Com o avanço das técnicas de impressão, imagens passaram a ser publicadas rapidamente em jornais e revistas, transformando a guerra em algo visível para o cidadão comum. No entanto, nem toda imagem tinha o compromisso com a verdade. Muitas foram usadas por governos como instrumentos de propaganda para controlar a narrativa dos conflitos, fortalecendo ideologias e estimulando o patriotismo.
Enquanto isso, fotojornalistas buscavam registrar a realidade dos campos de batalha com um olhar mais humano e crítico. Esse embate entre verdade documental e manipulação propagandística se tornou uma questão central para a ética da fotografia de guerra.

A Guerra do Vietnã: A Imagem Contra o Conflito
A Guerra do Vietnã (1955–1975) marcou o que muitos consideram a “era de ouro” da fotografia de guerra. Foi o primeiro grande conflito a ser amplamente documentado em cores, com acesso relativamente livre para os fotógrafos. As imagens capturadas nesse período influenciaram diretamente a opinião pública e contribuíram para o crescimento do movimento anti-guerra.
Fotos icônicas como a da menina Phan Thi Kim Phuc fugindo de um ataque com napalm (Nick Ut) ou a execução de um prisioneiro vietcongue (Eddie Adams) se tornaram símbolos universais da brutalidade da guerra. Esses registros chocaram o mundo e mostraram que a fotografia podia ser uma ferramenta poderosa de transformação social. Mais do que registrar, ela questionava.
O fotógrafo não era mais um observador neutro. Ao apertar o obturador, ele se tornava parte ativa do discurso visual sobre o conflito.

A Era Digital: Imediatismo, Cidadania e Desconfiança
Com a chegada dos celulares, das redes sociais e da fotografia digital, o papel do fotojornalista mudou radicalmente. Hoje, qualquer pessoa com um smartphone pode registrar e compartilhar imagens de guerra quase em tempo real. Vimos isso acontecer durante os ataques a Kyiv, na Ucrânia. As primeiras fotos foram postadas diretamente por civis, antes mesmo de serem verificadas por agências de notícia.
Isso criou uma nova figura: o jornalista cidadão. Por um lado, isso democratizou o acesso à informação visual. Por outro, levantou novas questões sobre veracidade, contexto e manipulação. Em tempos de deepfakes e edições digitais, confiar em uma imagem se tornou mais difícil.
Além disso, nem todos esses registros são feitos com responsabilidade ética. Ao contrário dos fotojornalistas profissionais, que seguem códigos de conduta, cidadãos comuns nem sempre têm preparo para lidar com os dilemas morais envolvidos em fotografar o sofrimento alheio.
Imagens e Memória: O Valor Humano da Fotografia de Guerra
Apesar dos avanços tecnológicos, o valor mais profundo da fotografia de guerra permanece: testemunhar. Fotografias têm o poder de fazer com que distâncias geográficas e culturais desapareçam. Elas humanizam estatísticas. Elas lembram que, por trás de cada conflito, há vidas reais, histórias pessoais, medos e perdas.
No caso da guerra na Ucrânia, vimos a mobilização de fotógrafos, ativistas e cidadãos criando um mosaico visual diverso — que, embora imperfeito, nos aproxima da realidade de quem vive a guerra no cotidiano. Em muitos casos, essa aproximação é o que move ações de solidariedade, campanhas de ajuda humanitária e protestos internacionais.

Considerações Éticas: Verdade, Representação e Responsabilidade
A fotografia de guerra levanta questões éticas profundas: Qual o limite entre informar e explorar a dor? O que é verdade em uma imagem? Quem decide o que deve ser mostrado ou não?
Fotojornalistas precisam equilibrar o dever de mostrar com o respeito às vítimas. Uma imagem pode salvar vidas, mas também pode traumatizar, desinformar ou desumanizar. Por isso, refletir sobre a ética na fotografia de guerra é parte fundamental de qualquer debate sério sobre imagem e responsabilidade social.

Perguntas Frequentes (FAQ)
1. Qual foi a primeira guerra registrada por fotógrafos?
A Guerra Civil Americana (1861–1865) é considerada o marco inicial da fotografia de guerra. Fotógrafos como Mathew Brady e Alexander Gardner documentaram soldados, acampamentos e os campos de batalha, apesar das limitações técnicas da época.
2. Qual é o impacto da fotografia de guerra na opinião pública?
Imagens de guerra têm um poder profundo de gerar empatia, revolta ou mobilização. Durante a Guerra do Vietnã, por exemplo, fotografias impactantes ajudaram a fortalecer o movimento anti-guerra e mudar o discurso político sobre o conflito.
3. Como diferenciar uma foto jornalística de uma imagem de propaganda?
Fotos jornalísticas geralmente seguem princípios de veracidade, imparcialidade e responsabilidade ética. Já as imagens de propaganda são usadas com fins ideológicos, reforçando narrativas específicas de governos ou grupos envolvidos no conflito.
4. O que mudou com a chegada da fotografia digital e das redes sociais?
Hoje, qualquer pessoa pode documentar eventos em tempo real. Isso democratizou a produção de imagens, mas também trouxe riscos, como a disseminação de desinformação, falta de contexto e manipulações digitais (como deepfakes).
5. Fotografar a guerra é ético?
Depende de como e por quem é feita a imagem. Profissionais treinados buscam equilibrar o dever de informar com respeito às vítimas. Já fotógrafos não profissionais nem sempre têm esse preparo. O essencial é refletir sobre o impacto que cada imagem pode causar — tanto em quem aparece nela quanto em quem a consome.

Conclusão
A história da fotografia de guerra é, acima de tudo, uma história sobre humanidade. Sobre a tentativa constante de compreender, documentar e transformar o mundo por meio da imagem.
Hoje, mais do que nunca, temos acesso a uma pluralidade de olhares e narrativas. Cabe a nós, como fotógrafos, jornalistas ou espectadores, desenvolver o senso crítico necessário para interpretar essas imagens com profundidade, empatia e responsabilidade.
A fotografia pode não acabar com as guerras — mas certamente pode impedir que a dor e a injustiça passem despercebidas.